A ARTE DE IMPROVISAR É A ARTE DE VIVER
Planejar, imaginar, prever. Nada mais que o exercício de nossa pretensão. Quanto mais julgamos conhecer as pessoas, as circunstâncias, as condições; quanto mais nos acreditamos capazes de planejar, imaginar e prever o futuro, mais a vida nos surpreende. A vida surpreende até nas mínimas coisas. E, para quem insiste em planejar, imaginar e prever, as surpresas em geral são negativas. As pessoas nunca respondem da forma como imaginamos. Não adianta treinar com antecedência o que falar; não adianta se preparar para todas as respostas possíveis que elas possam nos dar. O possível sempre nos escapa. Ele é sempre maior que nossa capacidade de previsão. Não adianta tentar controlar todas as circunstâncias e condições. Em nossa imaginação, tudo funciona de acordo com a idéia que temos do real. Mas, toda idéia é fixa, enquanto a realidade é móvel. O esforço de controlar o mundo de acordo com a idéia que fazemos dele torna nosso agir rígido e nos deixa perplexos diante da música de constantes reviravoltas, alternativas e possibilidades que a realidade nos convida a dançar.
Quem planeja e imagina com antecedência precisa que os fatos se desenrolem como o previsto para se sentir bem. Todo imprevisto é um sobressalto de angustia. O inesperado exige tempo para o replanejamento. Às vezes, as coisas se saem até melhor que o esperado, mas a simples angustia de tudo ter ocorrido diferentemente do previsto pode cegar para esse detalhe; a simples ocorrência do inesperado pode deixar o planejador sem ação. A capacidade de improvisar é diretamente proporcional à capacidade para deixar de lado nossos planos, previsões e saberes sobre as pessoas e as coisas. Esperamos que os outros reajam de tal maneira; que nos respondam assim ou assado ao que tanto ensaiamos para lhes dizer; pensamos em todas as possibilidades e em todas as respostas que daríamos a cada uma delas; e, no entanto, quando a ocasião chega, o que sai da boca deles consegue jogar por terra todos os planos, todos os ensaios, todas as previsões. A resposta que nos dão não é necessariamente negativa, pode ser até melhor que o esperado; ainda assim, ela pode nos deixar calados com um sorriso bobo no rosto, pensando no que dizer, caso não sejamos flexíveis para improvisar. Projetamos nossa carreira; fazemos tudo o que julgamos necessário para conseguir o mérito desejado; informamo-nos sobre as condições e circunstâncias que devem ser cumpridas, todos os passos a serem dados para que o objetivo seja alcançado; abandonamos o presente para viver no futuro; e somente quando o futuro se torna presente nos damos conta que o presente também nos abandonou. Mesmo quando os planos funcionam, eles funcionam diferentemente do previsto. O presente que abandonamos para viver o futuro também nos abandona quando tentamos agarrá-lo. Nada acontece como imaginamos. É na execução de planos e projetos que nossa imaginação revela toda sua falta de contato com o real.
Quem planeja, imagina e prevê está sujeito a tropeçar quando a realidade o convidar a dançar. Pois, a trilha sonora da vida não se sujeita a nenhum passo previamente ensaiado. O único passo de dança exequível na música real é o improviso. E, quem planeja dançar como Fred Astaire e tropeça, não agüenta o embaraço; e nem percebe que o tropeço era a chance que ele precisava para esbarrar naquela menina de que tanto queria se aproximar! Mas, quem planeja, imagina e prevê também está sujeito a ficar assentado, na beirada da pista de dança, suspirando e olhando todo mundo mais dançar. Piores que os tropeços dados de verdade por quem está dançando são os tropeços imaginados, previstos e até planejados por quem preferiu ficar de fora olhando! Julgamos conhecer tão bem a trilha sonora da vida, seus passistas e todos os nossos possíveis parceiros de dança que não temos dúvida de qual será nossa performance na pista... mesmo sem jamais ter se arriscado a pisar nela. E quando a performance que prevemos é desastrosa, nós sofremos por antecedência, preferimos ficar de lado, e acabamos indo embora derrotados sem ter tentado, chutando latinhas de refrigerante pelo caminho. A arte de improvisar se confunde com a arte de viver. E, como é difícil aprendê-la!
Daniel Grandinetti – Belo Horizonte
dgrs1977@gmail.com
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